sábado, 17 de janeiro de 2009

Duas décadas depois, a pátria ainda pede um salvador

O ano era 1989. Em 9 de janeiro, a Rede Globo estreava no horário nobre uma novela cujo título já deixava clara a preocupação do autor Lauro César Muniz: O Salvador da Pátria pretendia, ainda que não fosse essa sua meta principal, fazer o público pensar a respeito do momento que o país vivia, quando teríamos uma eleição presidencial direta depois de quase 30 anos sem que isso fosse possível.
Salvador da Silva (Lima Duarte), o Sassá Mutema, era um bóia-fria que morava na fazenda do deputado federal Severo Toledo Blanco (Francisco Cuoco), dono de uma fábrica de suco de laranja. Severo, embora casado com Gilda (Susana Vieira) e pai de Sérgio (Maurício Mattar) e Rafaela (Narjara Turetta), tinha uma amante, a jovem Marlene (Tássia Camargo). O relacionamento extraconjugal, embora prazeroso e divertido, pode causar-lhe complicações na carreira política, e o pai da moça, Sebastião Machado (Paulo César Pereio), cobra do político uma solução para a situação da filha. Assim, depois de pensar no assunto, Severo resolve casar Sassá e Marlene, tornando-a uma “mulher de respeito”, apagando as possibilidades do adultério vir à tona e prometendo continuar a manter-lhe – e, claro, sem deixar de ter encontros amorosos com ela.
A armação é descoberta por Juca Pirama (Luís Gustavo), radialista inescrupuloso que tem um programa de grande audiência na Rádio Clube de Tangará, a cidade mais próxima dos acontecimentos. Pelo que fala em seu programa e por seus métodos nada ortodoxos de obter o que deseja, Juca tem diversos inimigos, como a fazendeira Marina Sintra (Betty Faria), rival política de Severo na região. Logo, Juca e Marlene aparecem mortos, a tiros, e Sassá é o principal suspeito do crime. Com a ajuda da professora Clotilde (Maitê Proença), que chega à cidade para dar aulas aos trabalhadores rurais e por quem se apaixona, Sassá consegue provar sua inocência, conhece as letras e torna-se prefeito da cidade.
Mas a eleição de Sassá faz parte de um plano maior, chefiado por uma organização de tráfico de entorpecentes cujo chefe só se descobre no final da novela. Graças à popularidade conquistada depois de provar ser inocente, Sassá é o alvo preferido dos poderosos locais, tenham ou não relações com os bandidos. Mesmo apoiado pelos caciques da região, ao chegar ao poder Sassá se rebela contra eles e não satisfaz pura e simplesmente suas vontades, o que compromete os interesses de todos.
Juca Pirama, que dizia-se defensor da moral e dos bons costumes, era na verdade um braço da organização na região, tendo feito o próprio irmão João Mattos (José Wilker) ser preso com um carregamento de cocaína no avião que pilotava. A própria organização ajuda João a fugir da prisão e dá-lhe uma nova identidade, Miro Ferraz, para que ele colabore com seus planos. Ele, mesmo casado com Ângela (Lucinha Lins), envolve-se com a viúva Marina.
A partir de Sassá, a novela traçava uma grande intriga policial e política, envolvendo a todos. Além dos já citados, havia Bárbara Souza Telles (Lúcia Veríssimo), neta do rico banqueiro Hermínio (Benjamin Cattan) e nova amante de Severo; Lauro Brancatto (Cecil Thiré), médico apaixonado por Marina e que é lançado candidato a prefeito por seu partido, sendo rival de Sassá nas eleições; Joaquim Xavier, o Quinzote (Mário Lago), ex-prefeito de Tangará que vive hoje em meio a suas lembranças, já um pouco caduco; o advogado Cássio Marins (Thales Pan Chacon), advogado de Sassá; o delegado Plínio Kohl (Antônio Grassi) e os correligionários de Severo e Marina, como Décio (Nelson Dantas) e Nilo (Flávio Migliaccio).
Até o assassinato de Juca e Marlene, ocorrido no capítulo 17, Lauro e seu colaborador Alcides Nogueira apresentaram uma novela de trama amarrada, inteligente, empolgante. Depois disso, o excesso de personagens e a censura interna da emissora fizeram com que O Salvador da Pátria patinasse um pouco. O autor, que partiu de O Crime do Zé Bigorna, história que escreveu em 1974 para o programa Caso Especial e que virou filme em 1977 com direção de Anselmo Duarte, disse que houve influência direta de Brasília junto à Rede Globo para que fizesse algo, já que a novela era vista como uma apologia à candidatura do líder sindical Luís Inácio Lula da Silva à presidência. Assim, a saída encontrada pelos autores foi transferir o foco da ação do lado político para o policial, com as ações da organização de tráfico de drogas caminhando junto da administração de Sassá na prefeitura. Lauro César Muniz disse que chegou a ouvir nos bastidores coisas como “O autor dessa novela vai eleger o próximo presidente do Brasil”. A intenção era, fazendo jus ao título, eleger Sassá presidente da República, mas não foi possível. Enquanto isso, na vida real o Brasil elegeu Fernando Collor, passaram-se duas décadas e ainda hoje esperamos pelo salvador da pátria.
A certa altura da novela, Juca Pirama “voltou”, com sua voz podendo ser novamente ouvida através de uma freqüência pirata. Mas Luís Gustavo não voltou a aparecer na novela; um dublê chegou a ser focalizado algumas vezes em cenas de suspense. A “volta” de Juca fazia parte de um plano de Bárbara, que ao final revela-se chefe do grupo de bandidos.
José Wilker retornava à Rede Globo depois de trabalhar como ator e diretor do departamento de teledramaturgia da Rede Manchete. Maitê Proença também esteve na emissora de Adolpho Bloch na mesma época, mas tinha voltado à Globo antes de Wilker, tendo atuado em Sassaricando, de Sílvio de Abreu (1987/88), meses antes de ser a professorinha Clotilde.
Na trilha sonora, vale destacar “Bem que se Quis” (Marisa Monte), tema de Severo e Bárbara; “Ciranda do Sassá” (Cláudio Nucci); “Tá na Terra” (João Caetano); a bela “Horizontes” (A Cor do Som), que pontuava as cenas de João querendo provar sua inocência na acusação de tráfico de drogas; “Deus te Proteja de Mim” (Wando), tema de seu romance com Marina; “One Moment in Time” (Whitney Houston), o tema de Gilda, a mulher que fazia de tudo para manter o casamento; e “Domino Dancing” (Pet Shop Boys), que tocava com os jovens da novela.
Em outros países, a novela ganhou o título Sassá Mutema, que seria utilizado por aqui também, não fosse a vontade de Lauro de chamar sua história de O Salvador da Pátria. Um grande destaque na carreira de Lima Duarte, inesquecível na pele do colhedor de laranjas em sua trajetória do nada ao entendimento.
Dirigida por Paulo Ubiratan, Gonzaga Blota, José Carlos Pieri e Denise Saraceni, a novela terminou em 11 de agosto de 1989 e ganhou uma reprise compacta na sessão Vale a Pena Ver de Novo em 1998, de 27 de abril a 28 de agosto. O trabalho seguinte do autor seria, em parceria com Dias Gomes e Ferreira Gullar, Araponga, a história colocada no ar pela emissora para tentar conter o sucesso de Pantanal na Rede Manchete. Mas essa já é uma outra história...